terça-feira, 28 de julho de 2009

quero-quero

quero fazer arte com pêlo no sagu
sangrar o hall da fama em homenagem aos urubus

quero cuspir sorvete na brasa
abrir a porta do esgoto pra dentro das casas

quero nadar em nádegas macias
bater a testa dos outros na louça da pia

quero o dejeto do desejo nas calçadas
curtir crianças sem par, sem pais, sem paz, sem nada

quero todas as drogas em drágeas
colecionar armas, almas, amas e rédeas - huahua! (risada maligna)

quero provocar
os bem nascidos

os bem crescidos
os bem morridos

quero urgir, rosnar, babar

beirar suicídio

pra ser

querido

terça-feira, 14 de julho de 2009

très bien avec le cinéma... malgré tout


Na tentativa de aproveitar um feriado de emenda em terras paulistanas, chafurdei-me em duas sessões improváveis de cinema. Improváveis pelo preço das salas onde se pode admirar a sétima arte, pelo aguaceiro que acometeu a megalópole, pelo frio, pelo trânsito caduco, pela dificuldade de estacionar o carro, e, em última instância, pelas películas escolhidas. Gosto de filme francês. Mesmo. Mas sejamos sinceros, o troço exige.

Há que se estar disponível e tudo tende a ser mais fácil com uma amada ao lado, pela predisposição poética. Serenidade é altamente recomendável também. Mas não em demasia, porque senão o sono vence. E isso me faz lembrar de outra exigência para o momento que precede a entrega do tíquete na catraca: café. E atenção: atenção! Concentre-se o suficiente para não perder o fio, mas não notar certas arritmias. Preenchidos os requisitos e determinado a enfrentar a urbanidade como uma chamada de sessão da tarde – “um misto de ação, aventura e comédia, cheia de surpresas mil” –, você já pode partir para as produções provindas da pátria-mãe da nouvelle vague.

Há Tanto Tempo Que Te Amo e Horas de Verão foram as duas pedidas, uma em cada dia. Ótimas histórias, diga-se de passagem, sendo a primeira mais misteriosa, delicada e bem contada cinematograficamente que a segunda. Pelo menos foi o que pensei enquanto ainda arrumava o cabelo amassado pela poltrona. Mas lá se vão alguns dias e sou obrigado a assumir que o Horas de Verão mexeu além do penteado e veio perturbando meus pobres miolos castigados.

Em poucas palavras, o filme se desenvolve em torno de uma divisão de herança entre três irmãos, cuja mãe morre deixando uma casa repleta de obras de arte. Não há grandes brigas, trapaças, chantagens, melodramas, nada disso. Nesse caso, ainda bem. E nem são as resoluções ora frias demais, ora um tanto reticentes dos personagens que mais intrigam, mas essa enorme dificuldade de manutenção de relações familiares ativas, com as pessoas em sintonia, próximas. O curioso é que afetividade está presente, ainda que de forma intrínseca.

E as causas dessa diluição do sangue do nosso sangue já nem são os desgastes de relacionamento e as maledicências naturais entre parentes, mas pura e simplesmente o efeito colateral da vida e da morte no mundo de hoje, do modus operandi em pixels e não em grãos, do establishment em HD, da crise do pós e da pré-crise e dá-lhe coisa e coisa e tal, porque nome quase velho é o que não falta. A questão é que saí de lá pensando que preciso visitar minhas avós, dar um beijo na mãe, um salve pra tia convalescente, um alô pros primos do interior, mas sabe como é, falta tempo... Ainda mais com tanto filme francês exigindo tudo isso da gente por aí.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

kabudachi


Daqui da rua, antes mesmo de entrar no velório, já enxergo os dois nisseis. Estão tristonhos. Pudera, perder o irmão mais velho assim, jovem, de uma hora pra outra. Fazia pelo menos dez anos que não os via, desde o tempo em que jogávamos 'artilheiro' e fumávamos cigarros de camelô escondidos na viela. Já o falecido, nunca conheci, nem sabia de sua existência.

O fato é que estou diante dessa cena, sabe-se lá porque, e não vejo maneiras de fugir. Outros conhecidos já me viram e lá vou eu ao encontro dos enlutados. Ambos me cumprimentam com entusiasmo, apesar da dor que pesa em seus ombros e afunda seus olhos. Parecem um pouco alcoolizados. Antes que pudesse me dirigir ao caixão aberto, uma japonesa baixinha chega com uma bandeja, oferecendo uma caneca de chá e um copo quadrado de saquê. Aceito as duas coisas, por educação.

O chá está pelando, o que me faz atacar inicialmente o saquê. Geladíssimo, no ponto, e o cheiro denuncia: esse fermentado é dos bons, provavelmente importado, produzido pelas melhores castas especialistas da terra do sol nascente. Dois goles, o copo já está vazio e eu quase sorrio de alegria. Controlo-me pelo morto. Aliás, pelos vivos, donos do morto.

Enquanto assopro para esfriar o chá, me aproximo do defunto. Vejo primeiro as solas dos sapatos, flores, o volume de suas mãos sob um lenço com bordados orientais, flores, o paletó e a gravata, flores, e finalmente, o rosto. E ele é negro. Não bem “preto retinto”, “filho do medo da noite”, como diria Oswald de Andrade, mas negro daqueles que se convencionou chamar de pardo, mulato, cafuzo, essas coisas.

A surpresa provoca um movimento involuntário da minha mão e o chá quente escorre entre meus dedos. Mantenho a compostura e miro de rabo de olho os presentes no velório. De negro ali, ou quase lá, só a jovem faxineira ansiosa, mais preocupada com os sms que recebe no celular cor-de-rosa do que com a limpeza da sala. Os outros, todos nisseis, sanseis e que tais.

A massa japonesa presente não liga paras as minhas interrogações e segue com os bochichos comedidos típicos. E eu ali, sacando atentamente a face moribunda, que para minha estupefação, do nada, move as pálpebras – sim, ele se mexe! – e, com ar sério, fixa os olhos em mim. Meio trêmulo e com os músculos rígidos pelo susto, dou um passo para trás e o falecido – falecido? – pula do caixão, catapultando flores para todos os lados. Nem tenho tempo de verificar a reação das pessoas ao redor e o cara já está em pé na minha frente, com os olhos arregalados. Rapidamente ele arranca o copo vazio de saquê da minha mão e, segurando-o no alto, espera que uma última gota da bebida deixada por mim caia em sua boca.

“Mais!”, ele grita, antes de também tomar para si minha caneca de chá, virar o líquido férvido nos lábios e, em repulsa, cuspir tudo na minha cara. “Eu quero do outro, porra!”, e sai correndo para a rua. E todos, entorpecidos como pombas gordas, partem para a porta, de onde é possível ver o ressuscitado entrar no boteco da esquina, apoiar um dos cotovelos na fórmica, ordenar algo ao atendente e engolir, de bate e pronto, três doses de cachaça.

Alguns japinhas correm desesperados em sua direção, uns rindo, outros chorando, e eu desisto da saga para ir ao banheiro lavar o rosto. Abro a porta e ali está um dos irmãos do "morto" atracado com a faxineira. Ambos com as calças arriadas, sentados no vaso sanitário, ofegantes, ela sobre ele, ele de olhos fechados, extasiado, jorrando com uma garrafa aquele saquê divino no vão entre seus membros. Ela me vê, mas não interrompe a dança de acasalamento. Num relance, sinto que toda a insanidade faz sentido. Mas logo percebo que não. Óbvio que não. Ao fechar a porta, a última coisa que vislumbro é o celular cor-de-rosa apoiado sobre a saboneteira da pia, dormindo, sem tremeliques.


segunda-feira, 6 de julho de 2009

sopé de dedo

Canja de galinha era o que comiam quando Faustina puxou a mão da moça sentada à frente e, com uma faca de serra, começou a cortar seu dedo indicador, fazendo-o parecer uma ponta de croissant. Não saía sangue nem nada. De vermelho, só o esmalte da unha. Talvez por isso a vítima do ataque não tenha dado muita bola. Aliás, enquanto o dedo dela se separava do corpo, manteve uma animada conversa com a pessoa ao lado, entre fartas colheradas de sopa, levadas à boca com a outra mão.

Impassível, Faustina mergulhou aquele membro semi-contraído em seu caldo fumegante e, antes de saborear a iguaria que se despelava, salpicou queijo ralado e pimenta-do-reino. Lambeu os beiços, feliz com o novo ingrediente. A refeição seguia e, aos poucos, iam-se os dedos da moça. Uma a uma, as unhas eram deixadas no prato raso onde se apoiava a cumbuca da canja, como se fossem caroços de azeitona ou cascas de pistache. E Faustina entristecia-se de tanta satisfação, especialmente depois de roer os ossos do dedão carnudo.

Até que a decepada, após raspar com a colher o fundo do prato vazio, percebeu que não conseguia pegar e segurar o guardanapo com a mão "livre", pois sobrava-lhe somente o mindinho.

– Ei, você cortou vários!

– Foi mal, tava sem comer desde a hora em que acordei.

– Entendo.

– É sempre assim... Quando fico sem me alimentar por muito tempo, começo a passar mal, porque cai minha pressão. Aí quando vejo comida, devoro tudo em grande quantidade e muito depressa. Depois acabo passando mal de novo, por causa da digestão.

– Então devia ter pegado leve.

– É... Eu sei.

– Mas e agora, meus dedos... Será que crescem de novo?

Nessa hora, o até então calado acompanhante de Faustina, um senhor de longas barbas, respeitável barriga e musculosos dedos, se sentiu obrigado a intervir:

– Fica fria, quando põe na sopa, cresce. É batata.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

veja como são os fatos



fui pro boteco pra buscar a camiseta que comprei do marko, recebi a encomenda, beberiquei, esqueci a sacola pendurada na cadeira, liguei pra isolda guardar. ela, por sua vez, bebericou mais do que eu, mas lembrou de levar a camiseta. pegou carona e largou a sacola no banco do carro do léo. ele, por sua vez, bebericou mais do que todos, mora em santo andré, trabalha na barra funda e é um sem vergonha. logo, sou um descamisado até segunda ordem ou bebericação... bebericação esta, que pelo visto e segundo reza o lugar comum - e lugar mais comum que um bom pé sujo não há -, é a causa e solução de todos os problemas.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

um brinde alvinegro


01 de julho de 2009

o publico esse texto antes do jogo de jeito nenhum... pra não zicar. Corintiano tem dessas coisas. Há quem chame de superstição, mas esse termo carrega certa irracionalidade. Então não é bem isso. Quem vibra pelos valentes do Parque São Jorge tem plena consciência do sofrimento que está sempre por vir. Sempre. É uma questão óbvia e clara como a palma da mão do Michael Jackson depois de morto. Falar demais, e premeditadamente, não faz bem.

Mas fico pensando... e se toda a macumba de todos os terreiros da Zona Leste falhar, o bravo matador de dragões tirar a noite de folga e dormir no ponto na hora da bênção, a possível propina da cartolagem colorada vingar, o beira-rio ferver de maneira insana contra o habitualmente obstinado escrete alvinegro e, o mais paranormal, o esquadrão fenomenal não arrebatar o coração da fiel torcida em um contra-ataque de minerva? E se, hein? Porque, convenhamos, só essa junção de desgraças para tirar o triunfo desse surpreendente e efetivo novo Corinthians, que das cinzas da série B, fez-se novamente P&B.

Sendo assim, quando eu clicar “Publicar Postagem” nesse humilde blog, espero, sinceramente, estar entorpecido pela trilha sonora de “É campeão!” e pelo álcool da comemoração, porque título da Copa do Brasil harmoniza com 'double' caipirinha.

02 de julho de 2009

Que peleja, que elenco, que fase... Ai, minha cabeça...