quarta-feira, 16 de setembro de 2009

prece sincrética da terra pura

pra alá sou alabê...bebendo pinga no yom kipur...purificando o gongo de babá...batizado por namandabu...namu amida butsu, mon amour...namu amida butsu, mon amour...ça va, monsieur, saravá, très bien é nóis...ça va, monsieur...saravá

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

contração

Extra terráqueo, olha pra cá com seu telescópio

saca só as primeiras amebas, o fogo, a água, a pornografia química toda

quiçá um dia alguém ainda conserve nem que seja um restinho do seu DNA

para apreciar a beleza de uma mulher daqui


se é que elas vão ficar assim, tal e qual as conheci

mas se assim for e pelos cálculos de uns e outros

bem nesse dia-luz que se dará o encontro, o flerte, o amor

ambos explodirão

numa colisão sem precedentes

e aí toca esperar que a pornografia recomece

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

na estatística

Agora, para minha surpresa, como há muito não vivia, administro esse cabo de guerra entre o pijama e o celular, entre o filme na TV e o network, entre a formatação do ócio e a atualização do curriculum vitae. Ainda não voltei aos treinos de malabarismo com limões, nem arrisquei negociação com um dos homens placa do centrão. Tampouco me entreguei à vida mística ou iniciei a decapitação dos gastos, o que implicaria abdicar, ainda que momentaneamente, do rodízio de comida japonesa, da cerveja colorado, do futeba semanal (se eu já tivesse começado), do quatropaum, do pedal de efeito novo, enfim, de tudo o que é supérfluo. Supérfluo pra quem, cara pálida?

Na verdade, continuo me ajustando à mudança de fuso horário, aclimatando o estômago e a sola do pé, espiando na maciota, fazendo coro com o dom anastácio III, flanando ao léu e papeando com os dispostos. Modulando uma de leve, como diria meu avô quando do beberico de um aperitivo. E, nesse contexto, tem hora que parece que o segundo está de onda e o minuto de marola. E isso só pode ser um sinal. Sinal de que preciso mesmo é vestir a sunga e o pé de pato e dar um tchibum no atual instante.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

de lá do alto


Eu não me equilibrava bem deitado naquele platô flutuante, ainda mais com as pernas penduradas pra fora. Cada vez que o vento batia, embora refrescante, tanto pelo sol de fim de tarde no rosto, quanto pelo silêncio insistente, eu quase caía de volta a Terra. Sempre quase. Mas nada que impedisse o sono, o soninho que me embrulhava. Logo eu já roncava alto e viajava para a padaria da avenida ceci, para a escadaria do metrô conceição, para o quintal da vó leninha em são joão, para a comportada matinê do sírio, para o pé de amora do sítio que virou canil. Até que o frio na barriga de mais uma turbulência interrompesse outra vez o cheiro de pão de queijo recém-saído do forno, a doce dor do joelho em carne viva, o chiado musical do radinho de pilha com capa de couro, o sabor das primeiras bitocas e cangotes, o branco dos dentes dos coroas ao me ver lambuzado da cabeça aos pés... .

E assim via. E assim petiscava. E era bom.

terça-feira, 28 de julho de 2009

quero-quero

quero fazer arte com pêlo no sagu
sangrar o hall da fama em homenagem aos urubus

quero cuspir sorvete na brasa
abrir a porta do esgoto pra dentro das casas

quero nadar em nádegas macias
bater a testa dos outros na louça da pia

quero o dejeto do desejo nas calçadas
curtir crianças sem par, sem pais, sem paz, sem nada

quero todas as drogas em drágeas
colecionar armas, almas, amas e rédeas - huahua! (risada maligna)

quero provocar
os bem nascidos

os bem crescidos
os bem morridos

quero urgir, rosnar, babar

beirar suicídio

pra ser

querido

terça-feira, 14 de julho de 2009

très bien avec le cinéma... malgré tout


Na tentativa de aproveitar um feriado de emenda em terras paulistanas, chafurdei-me em duas sessões improváveis de cinema. Improváveis pelo preço das salas onde se pode admirar a sétima arte, pelo aguaceiro que acometeu a megalópole, pelo frio, pelo trânsito caduco, pela dificuldade de estacionar o carro, e, em última instância, pelas películas escolhidas. Gosto de filme francês. Mesmo. Mas sejamos sinceros, o troço exige.

Há que se estar disponível e tudo tende a ser mais fácil com uma amada ao lado, pela predisposição poética. Serenidade é altamente recomendável também. Mas não em demasia, porque senão o sono vence. E isso me faz lembrar de outra exigência para o momento que precede a entrega do tíquete na catraca: café. E atenção: atenção! Concentre-se o suficiente para não perder o fio, mas não notar certas arritmias. Preenchidos os requisitos e determinado a enfrentar a urbanidade como uma chamada de sessão da tarde – “um misto de ação, aventura e comédia, cheia de surpresas mil” –, você já pode partir para as produções provindas da pátria-mãe da nouvelle vague.

Há Tanto Tempo Que Te Amo e Horas de Verão foram as duas pedidas, uma em cada dia. Ótimas histórias, diga-se de passagem, sendo a primeira mais misteriosa, delicada e bem contada cinematograficamente que a segunda. Pelo menos foi o que pensei enquanto ainda arrumava o cabelo amassado pela poltrona. Mas lá se vão alguns dias e sou obrigado a assumir que o Horas de Verão mexeu além do penteado e veio perturbando meus pobres miolos castigados.

Em poucas palavras, o filme se desenvolve em torno de uma divisão de herança entre três irmãos, cuja mãe morre deixando uma casa repleta de obras de arte. Não há grandes brigas, trapaças, chantagens, melodramas, nada disso. Nesse caso, ainda bem. E nem são as resoluções ora frias demais, ora um tanto reticentes dos personagens que mais intrigam, mas essa enorme dificuldade de manutenção de relações familiares ativas, com as pessoas em sintonia, próximas. O curioso é que afetividade está presente, ainda que de forma intrínseca.

E as causas dessa diluição do sangue do nosso sangue já nem são os desgastes de relacionamento e as maledicências naturais entre parentes, mas pura e simplesmente o efeito colateral da vida e da morte no mundo de hoje, do modus operandi em pixels e não em grãos, do establishment em HD, da crise do pós e da pré-crise e dá-lhe coisa e coisa e tal, porque nome quase velho é o que não falta. A questão é que saí de lá pensando que preciso visitar minhas avós, dar um beijo na mãe, um salve pra tia convalescente, um alô pros primos do interior, mas sabe como é, falta tempo... Ainda mais com tanto filme francês exigindo tudo isso da gente por aí.


segunda-feira, 13 de julho de 2009

kabudachi


Daqui da rua, antes mesmo de entrar no velório, já enxergo os dois nisseis. Estão tristonhos. Pudera, perder o irmão mais velho assim, jovem, de uma hora pra outra. Fazia pelo menos dez anos que não os via, desde o tempo em que jogávamos 'artilheiro' e fumávamos cigarros de camelô escondidos na viela. Já o falecido, nunca conheci, nem sabia de sua existência.

O fato é que estou diante dessa cena, sabe-se lá porque, e não vejo maneiras de fugir. Outros conhecidos já me viram e lá vou eu ao encontro dos enlutados. Ambos me cumprimentam com entusiasmo, apesar da dor que pesa em seus ombros e afunda seus olhos. Parecem um pouco alcoolizados. Antes que pudesse me dirigir ao caixão aberto, uma japonesa baixinha chega com uma bandeja, oferecendo uma caneca de chá e um copo quadrado de saquê. Aceito as duas coisas, por educação.

O chá está pelando, o que me faz atacar inicialmente o saquê. Geladíssimo, no ponto, e o cheiro denuncia: esse fermentado é dos bons, provavelmente importado, produzido pelas melhores castas especialistas da terra do sol nascente. Dois goles, o copo já está vazio e eu quase sorrio de alegria. Controlo-me pelo morto. Aliás, pelos vivos, donos do morto.

Enquanto assopro para esfriar o chá, me aproximo do defunto. Vejo primeiro as solas dos sapatos, flores, o volume de suas mãos sob um lenço com bordados orientais, flores, o paletó e a gravata, flores, e finalmente, o rosto. E ele é negro. Não bem “preto retinto”, “filho do medo da noite”, como diria Oswald de Andrade, mas negro daqueles que se convencionou chamar de pardo, mulato, cafuzo, essas coisas.

A surpresa provoca um movimento involuntário da minha mão e o chá quente escorre entre meus dedos. Mantenho a compostura e miro de rabo de olho os presentes no velório. De negro ali, ou quase lá, só a jovem faxineira ansiosa, mais preocupada com os sms que recebe no celular cor-de-rosa do que com a limpeza da sala. Os outros, todos nisseis, sanseis e que tais.

A massa japonesa presente não liga paras as minhas interrogações e segue com os bochichos comedidos típicos. E eu ali, sacando atentamente a face moribunda, que para minha estupefação, do nada, move as pálpebras – sim, ele se mexe! – e, com ar sério, fixa os olhos em mim. Meio trêmulo e com os músculos rígidos pelo susto, dou um passo para trás e o falecido – falecido? – pula do caixão, catapultando flores para todos os lados. Nem tenho tempo de verificar a reação das pessoas ao redor e o cara já está em pé na minha frente, com os olhos arregalados. Rapidamente ele arranca o copo vazio de saquê da minha mão e, segurando-o no alto, espera que uma última gota da bebida deixada por mim caia em sua boca.

“Mais!”, ele grita, antes de também tomar para si minha caneca de chá, virar o líquido férvido nos lábios e, em repulsa, cuspir tudo na minha cara. “Eu quero do outro, porra!”, e sai correndo para a rua. E todos, entorpecidos como pombas gordas, partem para a porta, de onde é possível ver o ressuscitado entrar no boteco da esquina, apoiar um dos cotovelos na fórmica, ordenar algo ao atendente e engolir, de bate e pronto, três doses de cachaça.

Alguns japinhas correm desesperados em sua direção, uns rindo, outros chorando, e eu desisto da saga para ir ao banheiro lavar o rosto. Abro a porta e ali está um dos irmãos do "morto" atracado com a faxineira. Ambos com as calças arriadas, sentados no vaso sanitário, ofegantes, ela sobre ele, ele de olhos fechados, extasiado, jorrando com uma garrafa aquele saquê divino no vão entre seus membros. Ela me vê, mas não interrompe a dança de acasalamento. Num relance, sinto que toda a insanidade faz sentido. Mas logo percebo que não. Óbvio que não. Ao fechar a porta, a última coisa que vislumbro é o celular cor-de-rosa apoiado sobre a saboneteira da pia, dormindo, sem tremeliques.


segunda-feira, 6 de julho de 2009

sopé de dedo

Canja de galinha era o que comiam quando Faustina puxou a mão da moça sentada à frente e, com uma faca de serra, começou a cortar seu dedo indicador, fazendo-o parecer uma ponta de croissant. Não saía sangue nem nada. De vermelho, só o esmalte da unha. Talvez por isso a vítima do ataque não tenha dado muita bola. Aliás, enquanto o dedo dela se separava do corpo, manteve uma animada conversa com a pessoa ao lado, entre fartas colheradas de sopa, levadas à boca com a outra mão.

Impassível, Faustina mergulhou aquele membro semi-contraído em seu caldo fumegante e, antes de saborear a iguaria que se despelava, salpicou queijo ralado e pimenta-do-reino. Lambeu os beiços, feliz com o novo ingrediente. A refeição seguia e, aos poucos, iam-se os dedos da moça. Uma a uma, as unhas eram deixadas no prato raso onde se apoiava a cumbuca da canja, como se fossem caroços de azeitona ou cascas de pistache. E Faustina entristecia-se de tanta satisfação, especialmente depois de roer os ossos do dedão carnudo.

Até que a decepada, após raspar com a colher o fundo do prato vazio, percebeu que não conseguia pegar e segurar o guardanapo com a mão "livre", pois sobrava-lhe somente o mindinho.

– Ei, você cortou vários!

– Foi mal, tava sem comer desde a hora em que acordei.

– Entendo.

– É sempre assim... Quando fico sem me alimentar por muito tempo, começo a passar mal, porque cai minha pressão. Aí quando vejo comida, devoro tudo em grande quantidade e muito depressa. Depois acabo passando mal de novo, por causa da digestão.

– Então devia ter pegado leve.

– É... Eu sei.

– Mas e agora, meus dedos... Será que crescem de novo?

Nessa hora, o até então calado acompanhante de Faustina, um senhor de longas barbas, respeitável barriga e musculosos dedos, se sentiu obrigado a intervir:

– Fica fria, quando põe na sopa, cresce. É batata.


sexta-feira, 3 de julho de 2009

veja como são os fatos



fui pro boteco pra buscar a camiseta que comprei do marko, recebi a encomenda, beberiquei, esqueci a sacola pendurada na cadeira, liguei pra isolda guardar. ela, por sua vez, bebericou mais do que eu, mas lembrou de levar a camiseta. pegou carona e largou a sacola no banco do carro do léo. ele, por sua vez, bebericou mais do que todos, mora em santo andré, trabalha na barra funda e é um sem vergonha. logo, sou um descamisado até segunda ordem ou bebericação... bebericação esta, que pelo visto e segundo reza o lugar comum - e lugar mais comum que um bom pé sujo não há -, é a causa e solução de todos os problemas.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

um brinde alvinegro


01 de julho de 2009

o publico esse texto antes do jogo de jeito nenhum... pra não zicar. Corintiano tem dessas coisas. Há quem chame de superstição, mas esse termo carrega certa irracionalidade. Então não é bem isso. Quem vibra pelos valentes do Parque São Jorge tem plena consciência do sofrimento que está sempre por vir. Sempre. É uma questão óbvia e clara como a palma da mão do Michael Jackson depois de morto. Falar demais, e premeditadamente, não faz bem.

Mas fico pensando... e se toda a macumba de todos os terreiros da Zona Leste falhar, o bravo matador de dragões tirar a noite de folga e dormir no ponto na hora da bênção, a possível propina da cartolagem colorada vingar, o beira-rio ferver de maneira insana contra o habitualmente obstinado escrete alvinegro e, o mais paranormal, o esquadrão fenomenal não arrebatar o coração da fiel torcida em um contra-ataque de minerva? E se, hein? Porque, convenhamos, só essa junção de desgraças para tirar o triunfo desse surpreendente e efetivo novo Corinthians, que das cinzas da série B, fez-se novamente P&B.

Sendo assim, quando eu clicar “Publicar Postagem” nesse humilde blog, espero, sinceramente, estar entorpecido pela trilha sonora de “É campeão!” e pelo álcool da comemoração, porque título da Copa do Brasil harmoniza com 'double' caipirinha.

02 de julho de 2009

Que peleja, que elenco, que fase... Ai, minha cabeça...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

a cor da camiseta


Parado no sinal, fitava pelo retrovisor a fila que se formava no meu rastro. Todo mundo estacionado onde passei há pouco, de olho no onde estou agora e alucinado pelo onde nem se vê mais à frente. E eu vagando lá atrás. Até que aparece o garoto pedinte, que é um, mas podia ser outro, outra, outros, montes, e, no fundo, às nossas insufilmadas vistas, já são todos o mesmo menino. Mas esse... esse tinha algo suficientemente forte pra me despertar do tráfego: vestia uma camiseta amarela. Mas não qualquer camiseta amarela. Era a minha camiseta amarela, esquecida há tempos num banco de carona. Aquela mesma, objeto de discórdia e, por irônico que pareça, razão de uma violenta lavagem de roupa suja.

Tinha certeza que era a minha por conta de uma mancha lilás em formato de foice na gola. De dentro do carro podia sentir o cheiro do vinho tinto daquele dia de lambança, de onde saí com a roupa marcada para sempre, para nunca mais. Incorpóreo, entranhei-me como traça no tecido que cobria aquele moleque, e me pus a fazer uma minuciosa expedição por entre os fios de algodão, sais de sudorese, poeiras e restos anexos de memória, até que o farol abriu, o garoto desistiu de um mumificado eu e virou-se pra calçada, onde uma mulher velha e muito gorda estava sentada, com os peitos caídos sobre a barriga e os olhos tomados pela catarata. A cabeça dela pendia e oscilava, como se procurando algo que não fosse branco, e que não fosse preto, porque era meio assim que enxergava o mundo, mas algo que fosse amarelo. Parece que é a cor mais expansiva entre as matizes. Talvez por isso o seu último suspiro de vista não acinzentada buscasse o semáforo, fiel alarme para a hora em que o garoto – seu filho, neto? – deveria partir em busca dos presos de mais um sinal vermelho.

E na troca pra segunda marcha, o garoto já chegava junto à mulher, que logo dirigia o pescoço em sua direção, farejando o amarelo da minha camiseta. E só agora eu percebia que a camiseta nem era tão amarela assim. Era mostarda. Mostarda Dijon.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

chiclé de bola

você me disse mãos ao alto
na montanha russa
e eu rezando à Pacha Mama
de ti no paso, Mama
você me acalma
desencana, tá na boa, deixe que a vaca tussa
e eu de olhos fechados
no teu abraço, mina

e vem filosofar
que todo mundo é feito chiclete
que a gente estica, amarga e gruda
como chiclé
ah, é?
então me enrola, me embola, me cola
me endurece embaixo do teu assento

e assim, por um momento
você perde a pose
Chiclé de bola no teu peito!

você me disse vamosimbora
num foguete à Júpiter
e eu saquei sem gravidade
o grave em ti é não amar
você responde
corta essa, o amor ilude
e eu querendo ocê na cama
escuta esse som do Itamar

“Devagar com esse andor, Leonor...”

quarta-feira, 3 de junho de 2009

oik



Foi numa conversa por msn que começaram os sintomas. Combinamos algo para aquela noite e, no final do papo, recebi um “oik”. Obviamente aquilo era um erro de digitação, com um i intruso no meio. Achei graça e mandei um emoticon de um porquinho tocando maracas. Ela não recebeu nada bem aquilo. Mais do que isso, a brincadeira foi o estopim para um descarrego daqueles. De pequenas pilhérias em pequenas pilhérias de minha parte, encheu-se. E a explosão saiu em forma de verborragia estragada, embolorada, cansada. Reclamou dos meus excessos e insensibilidade e da minha falta de compaixão e tato.

Assustado, fugi do assunto e propus uma conversa a vivo. A resposta: “oik”. Longe de ser louco, fingi não ter visto o retorno do i intruso e fui ao restaurante onde se daria nosso encontro. Peguei um trânsito monstruoso e, pra desolar ainda mais a situação, cheguei atrasado. Antes mesmo de avisar ao garçom que vinha em minha direção que alguém me esperava, já a avistei, de costas, aparentemente comendo uma salada.

Mal me aproximava da mesa, já ouvia a barulheira que fazia ao se alimentar. Arfava e grunhia com as costas curvadas e a cara bem próxima ao prato. Conforme os talheres eram levados à boca, pedaços de comida ora caiam no seu colo, manchando a blusa de azeite, ora espirravam em suas bochechas e nariz. Fiquei em choque. Confesso que posso ter exagerado na quantidade de sarros tirados com as coisas dela durante todo esse tempo de relacionamento, mas jamais imaginei isso ser motivo para não me esperar para comer e, pior, devorar com tanta ansiedade e fúria aquelas folhas de alface, rúcula e agrião.

Sentei-me. Ela demorou a perceber minha presença. “Amor...”, lancei, baixinho. Como se tivessem apertado um pause na cena, ela travou. Cessaram-se os movimentos e os barulhos. Devagar, seus olhos subiram em minha direção. Em seguida, a cabeça e, finalmente, o tronco. “Olá”, disse ela, com um sorrisinho verde, “Estou com uma fome que você nem imagina”. “Imagino sim...”

O jantar não transcorreu bem. Não consegui puxar outros assuntos e muito menos degustar a refeição, pois fiquei um pouco constrangido e enojado com o jeito com que ela comia. Em muitos momentos, seu nariz chegava a esfregar no prato. Algo inexplicável e realmente preocupante acontecia. O corpo de minha amada começava a engruvinhar, pêlos nasciam em suas orelhas e, como comecei a prever e temer, seu nariz foi-se achatando e, em pouco tempo, já lembrava uma tomada.

Nem pensei na sobremesa. Paguei correndo a conta e puxei-a pelo braço. Notei que sua mão também definhava, denunciando uma unha marrom nascente. Desesperei-me. Só podia ser sonho, culpa do Kafka ou da Viagem de Chihiro. Nada! Era real! Corri para o carro, ela em meus braços, toda suja de molho de tomate, já me fitando com um olhar irracional, brilhante, perdido. No caminho para o pronto-socorro, exausto e desnorteado, com a visão completamente turva, estacionei na primeira vaga que vi e desmaiei.

Acordei com os primeiros raios da manhã entrando pelo vidro da frente do carro. Enquanto lutava para descolar a pálpebra, virei correndo para o banco ao lado e “oik!”, lá estava uma mini porca, dessa vez já completa, com rabo de parafuso e tudo, e com a cabecinha torta, a me olhar. Sei que suínos não riem, mas ela tinha um ar gracioso, debochado até. Se fosse gente, estaria gargalhando, tenho certeza. Aquela seria a vingança dela? Valia a pena passar a eternidade em forma de bebê leitoa só para que eu pagasse meus pecados infantis?

Com a cabeça latejando de dor, tentei abrir a porta e meus dedos não davam conta, batiam no abridor e, desengonçados e duros, eram repelidos. Mirei minha mão e ali estava uma pata cascuda, com unhas grossas e uma pelagem branca que subia desde o que costumava ser meu pulso até onde meus olhos podiam ver, cobrindo boa parte do banco do carro. Desesperado, berrei por socorro: “mééé!”

terça-feira, 2 de junho de 2009

bigsmall

O que se há de fazer
com esse limite próximo?
Conter ou explodir?
Se é que sabe, vai

Atrás do chip ideal
das novas tecnologias
Em busca de um detergente
atômico

Se o que nos resta é ser
tão microscópicos
e ter cálcio, ferro e tal
o que valerá mais?

Atrás do toque final
para arredondar a bola
Em busca do velho oriente
icônico

sexta-feira, 29 de maio de 2009

tiplati tuguédis

Era tempo dos afonsinhos quando ele vestiu o terninho de marinheiro pra deixar a mãe orgulhosa. Lá se foi pra rua de nó azul e uniforme branco alvo. Alvo branco. O pobre nem imaginou que na primeira saída a inveja dos meninos da Capote Valente iria acabar com a festa. Mal virou a esquina do quarteirão de casa e as três filhas da vizinha já gritaram pro povo todo olhar pro pequeno oficial enlameado. Eram três irmãs, a Ana e a Clara... a terceira não se lembra mais. Mas recorda bem a surra que tomou da genitora, possuída pelos prantos da decepção. Nem conseguiu explicar o sucedido. Antes tivesse sido uma queda do carrinho de rolimã.

Depois veio a fase de a turma arrumar apelidos pra ele. Alicate, por causa das pernas curvadas, e Cabeção, graças à cuca grande, eram os prediletos. Um dia, talvez ainda amargurada por conta do terninho perdido, a mãe pediu que ele fosse à feira: “Traz três melões, duas mangas rosa, um quilo de laranja, uma melancia...”. E enquanto o rapaz buscava a sacola pra carregar a encomenda, foi disparada a acidez materna: “Traz no gorrinho mesmo!”, e explodiu em gargalhada.

Engana-se quem pensa que ele cultivou revolta, ou entrou metralhando na escola, ou tentou suicídio quatro vezes, ou ainda tenha virado sacerdote, transexual ou usuário de heroína. O que deu sentido a sua existência foi a aquisição, com o passar dos anos, de um repertório boca suja invejável. Tinha palavrões para todas as ocasiões, conferindo a tais termos novos significados a cada combinação e entonação. Foi o rei do baixo calão, no melhor sentido possível, pois foi assim que se socializou aos montes, passou a ser considerado, conquistou simpatias e, logo, já andava malemolente como um milongueiro boa praça pelos botecos de São Paulo.

E assim aprofundou sua crença no comer, beber, gargalhar e proporcionar o riso. Os ocorridos da infância não viraram traumas. Talvez nem tenham existido de fato. Quem sabe? Vai ver só foram reavaliados e reinventados por ele, e agora por mim, para que virassem bons pretextos para mais anedotas e para a criação de incríveis neologismos com as boas e velhas palavras chulas.

E eu, como neto desse cara, só tenho a agradecer e encher a boca pra dizer: “No cu, braboleta!”

quarta-feira, 27 de maio de 2009

trampando nas nuvens

Sempre comentei a respeito dos trabalhos que fazia pra TAM. Entonces, pra quem tem curiosidade, essas são compilações dos 2 últimos meses, antes da minha saída desse projeto. Muitas dessas matérias produzi, algumas roteirizei e outras dirigi. Dá um confere aí que tem umas voyages ótimas.




Nesse de cima tem umas ceninhas de uma matéria sobre os bastidores da seleção, gravada lá em Porto Alegre, antes do jogo contra o Peru, que assistimos de dentro do campo. Tem também um pequeno pedaço da entrevista feita em Paris com o bon vivant e autointitulado vagabundo francês Pierre Barouh, que fez aquele documentário maluquíssimo chamado Saravah, com a participação de Baden, Paulinho da Viola e Bethânia nos primórdios e de Pixinguinha e João da Baiana nas últimas. Recomendadíssimo esse filme! Nesse programa tive também um papo
sobre os novos quadrinistas brasileiros com o cartunista genial Laerte, que não aparece aí.




Viagem batuta demais pela parte francesa do velho mundo... Parrí, Vale do Loire e talhe coisa e coisa tal. Tem também uma amostrinha da matéria sobre a nouvelle vague, que contou com o cineasta
"maldito" Claude Lelouch. E não menos importante e delicioso de fazer, um teco ínfimo do vídeo de destino turístico sobre o Maranhão, que teve direito a passeio histórico, doce de espécie, sobrevôo nos Lençóis, macaco na cabeça e outras pedras de remponsa. Ah, tem a entrevista que fiz com o pianista Phillipe Baden Powell, que como o nome acusa, é filho do hômi.

Mais pra frente postarei uns e outros quadros completos, com o diário de bordo e tudo o mais. Xá só eu resgatá-los. Simba!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

pequetita?


do vidro do trabalho,

emoldurado pela tela, ______________dois prédios de escritório

e o batente da janela,

avisto um recorte da breguice da Daslu

e, imantadas por ela,

as hélices rompem o pôr do sol

tão bonito de fumaça,

incitando as copas sem praças

e ampliando o ohmnmnmn do mantra urbano

e a visão inebriada, e o sono...

das meninas tietes na porta da Via Funchal

com seus travesseiros, edredons e badalhocas

sob o aroma de por quilo e dobradinha de padoca

dvds piratas estão em oferta e o pagamento é à vista

três por dez

dez por vinte

seis em cada sete taxistas,

como se pescassem com varas e anzóis,

discutem futebol, lêem Destak e falam mal dos motoboys,

que por sua vez,

rosnam e rebolam suas caixas

apagando a tinta das faixas

mas das onze às seis

o trânsito não é lá tão ruim,

apesar do protesto com apitaço e narizes de palhaço

contra alguma firma nem tão firme assim

nos vãos das______persianas, dos ______,,óculos,

das________________ xanas,

desfilam celulares, laptops, catracas,,,,,,,,,,,,,,,crachás, ipods, gravatas,

comandas, blackberrys, convênios

e gêmeas, gêmeos...

Nunca vi tantos gêmeos!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

ok, ok, que história é essa de Gorgonzola


Antes de tudo, o referido pasteurizado é uma dádiva, uma descoberta incrível do homem. Talvez a maior depois do silêncio – e do barulho, já que é ele quem legitima a pausa –, da risada, da batata, da arara e, pra ser correto, do amor. Diria mais, ele é por si só, uma alegoria inexpugnável (essa é pro Pán) da própria existência humana. Não seria a vida um processo incessante de maturação?

O Gorgonza, intimamente falando, é de uma riqueza simbólica incrível, quase uma tortada na cara. Fedido para leigos comportados e conformados, cheiroso para ousados cheios de apetite. E cabe aos que reconhecem seu sabor divino e robustamente intenso, acatar os fungos anis esverdeados e marrons azulados... assim como na vida e suas fortes emoções. Para o bem e para mal! E o pior – ou o melhor –, é que são eles, os fungos, que dão a graça da aventura gustativa e, peito aberto aos paralelismos!, garantem a reelaboração da própria vitalidade.

Pra ser direto, há que se saber saborear esse misto de maciez e impetuosidade e, claro, administrar a digestão... pois não é brincadeira. Mas, sem medo, ergam seus pães, torradas e damascos e mandem bala, porque quem não petisca, não arrisca. O que é matar e morrer pela vida, esse queijo nobre? Tamanha reflexão justificaria até trocadilhos infames! O Gorgonza, como tudo – sim, como tudo –, tem seu preço. Mas a vida não é barata e o queijo não é fácil. Man
ja?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

maçã na cabeça a 50 passos de distância


Esse é o início da picada, a primeira mancha de calor púrpura que aparece no meu detector ótico na hora duma escolha dita importante. E, note, sem juízo de valores quanto ao certo ou errado. O drama é o alvo ilegível, a tensão nervosa, a dificuldade do tiro, e não necessariamente a salvação buscada, podendo ela ser a fruta, a face, o tronco, o vazio ou até mesmo a unha do dedo mindinho do próprio pé.

Não importa o quão safo és com o arco e quão treinada é tua mira. Macaco velho pode até ter um tiquim de virtuosismo a mais nas sobrancelhas ou talvez uma bamboleadazinha no canto do bigode que pode fazer a diferença na estocada final, mas garantia de gomo partido ao meio e semente triscada à mostra, aquela garantia com carimbo do cacique-mór e benção de Oxóssi e tudo, isso ele não tem.

E eu, bicho sortudo do meio termo social, com certa oportunidade de vislumbrar o gol, acertar o bandeirinha e não ter perigo de ter mamãe tacada na esquina, é que não tenho mesmo. Nessas horas críticas, ou cínicas, pra falar como o bom e velho mestre da música paulistana João Rubinato, sou duma descoordenação motora e psíquica que benzadeus. Faltou o Tell no meu nome. E sobrou a besta.

A questão é que sempre meço de três jeitos diferentes, intercalo as coincidências teóricas com as reminiscências práticas, tiro prova dos noves fora, passo noites num alerta só, ou porque tenho quentura de provação, ou porque vou pros botecos umedecer os dedos, fazer enquetes e bolar estatísticas qualitativas, levando em conta, obviamente, as condições de temperatura e pressão dos pobres opinantes no momento exato da expressão facial que leva ao voto.

E, ainda assim, no geral, vejo-me escorrendo pro miolo da circunferência do engano. Ora o sono atrasado faz-me insolente e indolente, ora a ressaca eleva minha inefável displicência e multiplica as projeções imaginativas que não levam a lugar algum. E o pior é que a percepção nascente do equívoco abrilhanta-se em pleno ato, nem antes, nem depois, quando a boca catatoniza o cérebro num jogo brancocoloridobrancocoloridobrancocolorido e fudeu. Lá se vai a roda do carro ralando na guia. Na ida e na volta.

E aí, ainda que não seja vergonhoso voltar atrás e/ou por baixo e/ou à margem, decido que o mais propício é mudar de fase, com nova vida e novos pontos, faça chuva ou faça sol. E assim sigo a pular capôs e sarjetas, desafiar a insanidade, a política, o mercado e a crise, e caçar tesouros, como num pitfall urbano. Bifurcação é diabo quem bota, só pode ser. E é por essas e outras que sigo agnóstico, quase sincrético, quase ateu.

Enfim, acabo de escolher que agora terei um blog, mesmo com total consciência da incapacidade de gerir esse lixo pessoal por muito tempo. E o que isso tem a ver com opções, decisões, gatilhos, erros e acertos, cabe à meia volta que dei em plena marcha feliz. De um jeito ou de outro, agora me vejo de novo escrevinhador e, por consequência, já que assim foi estabelecido por autoridade, fingidor. No fundo, estou só tomando distância pra mais uma burrada. E vai curíntia!