segunda-feira, 6 de julho de 2009

sopé de dedo

Canja de galinha era o que comiam quando Faustina puxou a mão da moça sentada à frente e, com uma faca de serra, começou a cortar seu dedo indicador, fazendo-o parecer uma ponta de croissant. Não saía sangue nem nada. De vermelho, só o esmalte da unha. Talvez por isso a vítima do ataque não tenha dado muita bola. Aliás, enquanto o dedo dela se separava do corpo, manteve uma animada conversa com a pessoa ao lado, entre fartas colheradas de sopa, levadas à boca com a outra mão.

Impassível, Faustina mergulhou aquele membro semi-contraído em seu caldo fumegante e, antes de saborear a iguaria que se despelava, salpicou queijo ralado e pimenta-do-reino. Lambeu os beiços, feliz com o novo ingrediente. A refeição seguia e, aos poucos, iam-se os dedos da moça. Uma a uma, as unhas eram deixadas no prato raso onde se apoiava a cumbuca da canja, como se fossem caroços de azeitona ou cascas de pistache. E Faustina entristecia-se de tanta satisfação, especialmente depois de roer os ossos do dedão carnudo.

Até que a decepada, após raspar com a colher o fundo do prato vazio, percebeu que não conseguia pegar e segurar o guardanapo com a mão "livre", pois sobrava-lhe somente o mindinho.

– Ei, você cortou vários!

– Foi mal, tava sem comer desde a hora em que acordei.

– Entendo.

– É sempre assim... Quando fico sem me alimentar por muito tempo, começo a passar mal, porque cai minha pressão. Aí quando vejo comida, devoro tudo em grande quantidade e muito depressa. Depois acabo passando mal de novo, por causa da digestão.

– Então devia ter pegado leve.

– É... Eu sei.

– Mas e agora, meus dedos... Será que crescem de novo?

Nessa hora, o até então calado acompanhante de Faustina, um senhor de longas barbas, respeitável barriga e musculosos dedos, se sentiu obrigado a intervir:

– Fica fria, quando põe na sopa, cresce. É batata.


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mandaí!